Ela (Her, 2013)

março 24, 2014 by

HER

Por Alessandra Marcondes

O filme Ela, um dos indicados ao Oscar 2014 (concorreu nas categorias melhor filme, trilha sonora, canção original e design de produção e levou a estatueta por melhor roteiro original) poderia ser um grande clichê sobre os males da vida moderna, passando pelo excesso de conexões via dispositivos que resulta em um grande vazio, pela reflexão de como estamos cada vez mais conectados e menos felizes ao mesmo tempo. Tá bom, o filme trata sim disso tudo em seu conjunto. Mas não o faz de maneira clichê, e o foco da trama é outro: o amor.

Theodore (Joaquin Phoenix) é autor-fantasma de cartas encomendadas por todo tipo de pessoa destinadas aos seus entes queridos, tipo serviço de tele-mensagem, só que mais personalizado. Só de ver algumas fotos do casal e ler um pouco sobre a descrição da pessoa amada, ele consegue compor uma bela mensagem de amor carregada de sentimentos que, na verdade, não são seus. Mas Theodore, na vida real, vive um momento complexo pós-separação e sofre o vazio deixado pela perda de seu próprio casamento. E é neste contexto que lhe é apresentado um sistema operacional de inteligência artificial personificado na figura de Samantha (Scarlett Johannson).

Samantha passa a ser a mais fiel companheira da rotina de Theodore e, bem mais inteligente do que a Siri ou qualquer comando de voz que a gente conheça hoje em dia, transcende o papel de secretária organizadora da sua agenda para fazer as vezes de amiga e namorada. E é aí que entraria a parte mais ‘bizarra’ da história, mas o roteiro evolui de uma forma tão natural e a relação do casal se faz tão sincera que passa a ser extremamente normal para quem assiste o fato de um romance ser estabelecido entre um ser humano, de carne e osso, e um sistema computadorizado. Samantha e Theodore vão se conhecendo aos poucos, apresentando seus mundos um para o outro, falando bobagem até tarde pelo telefone, dividindo suas dúvidas e seus anseios, assim como qualquer forma de relacionamento que a gente conhece. E aí que o roteiro dá uma sacudida em nossas próprias convicções: a partir do momento que nos relacionamos através de interfaces e que todo tipo de dispositivo se faz cada vez mais presente, o que é abstrato e o que é real? Se o sentimento existe, como explicar que um relacionamento com uma inteligência artificial seria menos real do que com outra pessoa, ainda mais considerando que, já que o sentimento parte de ambos, esta relação também não está livre de males do amor como o ciúme, a posse, a indiferença e o fim?

Joaquin Phoenix transmite belamente a transição emocional entre uma separação e um novo amor.

Joaquin Phoenix vive em “Her” a transição emocional entre uma separação e um novo amor e emociona.

A forma como Samantha se mostra encantada por coisas ‘simples’ do universo, como a praia ou a sensação de correr no meio de uma multidão, também deixa a sugestão sutil de como nós, humanos, estamos nos tornando apáticos. E quando somos apáticos em nossa rotina cada vez mais individualista, nos tornamos também desinteressantes uns para os outros. Desinteressantes ao ponto de uma voz amiga, emocional e apaixonada se mostrar mais interessante do que pessoas de carne e osso, independente dos desafios multidimensionais que esta relação teria como consequência. Claro que a dependência de dispositivos e conexões nasce de muitos problemas emocionais e tensões internas que nós mesmos vivemos, e ela em si acaba causando outros mil tipos de psicopatologias relacionadas à frustração, ansiedade etc, mas será que toda essa tecnologia também não é capaz de agregar valores positivos à nossa existência?

Embalado pela trilha-sonora minimalista do Arcade Fire – que cai como uma luva para este futuro não muito distante – o romance entre Samantha e Theodore convence mais do que muitos outros que já vi na telona, mesmo que Johannson não entre em cena em nenhum momento. O mérito disso, aliás, se concentra nas expressões totalmente emocionais de Phoenix, que passa do olhar melancólico ao sorriso ingênuo com facilidade e leva o filme praticamente sozinho, e na voz encantadora de Johannson que, mesmo não se materializando (que desperdício?), é peça-chave para desenhar esta bela relação que convence.

Por fim, “Ela” nos lembra como amar pode ser intenso, poético e arrebatador, independente das barreiras envolvidas. Em um mundo com tantos preconceitos embutidos, em que se recrimina amor à distância, amor entre pessoas do mesmo sexo, amor entre diferentes classes sociais ou [insira qualquer tipo de amor aqui] o longa ensina um pouco sobre a simplicidade deste sentimento. Ensina que nem toda relação sobrevive a todas as dificuldades, mas ainda assim pode resultar em um conjunto de belos momentos. Pode tirar do poço e fazer esquecer o sofrimento intrínseco à nossa existência, e tirar do poço pessoas como Theodore. Pessoas como eu ou como você.

Philomena (Philomena, 2013)

março 8, 2014 by

Por Alessandra Marcondes

Philomena, um dos indicados ao Oscar 2014 (concorreu nas categorias de melhor filme, atriz, roteiro adaptado e trilha sonora – mas não levou nenhuma estatueta) é um bom drama, com história original, que emociona e tem a magnífica Judi Dench no papel principal. Já bastaria para ter um saldo positivo, mas some a isso o fato de a história da senhora Philomena, irlandesa que teve seu filho vendido pela Igreja Católica para uma família adotiva nos EUA, ser inspirada em fatos mais do que reais. Uma história triste e dramática que de fato aconteceu. Taí um filme com todos os motivos para assistir.

A verdadeira Philomena Lee ao lado do ator Steve Coogan

A verdadeira Philomena Lee ao lado do ator Steve Coogan

Philomena (Judi Dench) foi enviada para um convento pela família pois estava grávida e era solteira, um escândalo à época. Deu à luz no próprio convento, sem médicos presentes ou anestesia (a dor seria uma espécie de punição pelo seu pecado) e, 3 anos depois, perdeu de vista o filho Antony, que fora vendido a uma família adotiva. Apenas 50 anos depois teve coragem de dividir esta história com a filha e tentar reencontrá-lo com a ajuda de Martin Sixsmith (Steeve Coogan), um jornalista desempregado e meio deprimido.

E aí que é acrescentado o tempero, na minha opinião, mais interessante ao longa: a trama se desenrola sempre deixando claro a dicotomia entre estes 2 personagens. Martin, jornalista cínico, intelectual liberal, ateu, cético e até mesmo mau humorado se interessa pela história mais por falta do que fazer do que por interesse em dramas reais. Philomena, idosa da classe trabalhadora, católica, simples e ingênua é daquelas que se empolgam com a possibilidade de assistir um filme do Eddie Murphy na TV e com livros de romance água com açúcar. Tipo vó, sabe?

E é nesta dicotomia que nascem os momentos mais interessantes do filme. A forma como a religião é retratada através das opiniões contrastantes faz a platéia pensar em suas próprias crenças. Por que Philomena, que teria todos os motivos do mundo para odiar a igreja, permanece totalmente adorável com freiras e ainda vê sentido em confessar seus pecados para padres? Como uma pessoa que sofreu tanto na adolescência é capaz de se encantar pelas coisas mais simples da vida, como variedade de panquecas no café da manhã? Eu, descrente que sou, não pude deixar de me ver no papel de Martin, quando ele, revoltado, agride verbalmente todos do convento comovido pelo rumo dos fatos relacionados ao filho de Philomena enquanto esta perdoa a freira que foi principal causadora da sua dor. Ele, e eu, nunca conseguiríamos perdoá-la.

Os diálogos entre Judi Dench e Steve Googan dão um tempero especial ao filme

Os diálogos entre Judi Dench e Steve Coogan dão um tempero especial ao filme

Disso, nasce a dúvida: a ignorância é uma bênção, ou a fé confere paz de espírito? Os intelectuais são incapazes de ser felizes devido à sua consciência sobre os males do mundo, ou devido à ausência de espiritualidade, verdadeira causa de nossas angústias? Você prefere ser capaz de perdoar a personificação do seu sofrimento do mundo? Acho que eu preferiria dar um soco naquela freira. E a genialidade do filme está em Philomena, uma figura digna de ‘pena’ de pessoas como Martin por ser ‘fraca e ignorante’, deixar claro que não odiar as pessoas é uma escolha, e que ela escolheu não ser uma pessoa cheia de ódio como ele.

Veja só, eu adoro dramas e não dá pra esconder que adorei o filme, mas o mais legal nele é que nos permite pensar em todas essas questões de uma maneira mais leve, sem dilacerar a alma. A soma dos 2 personagens tem química e diverte exatamente nas diferenças que fazem rir: a cada piada que Philomena não entende, a cada comentário ácido de Martin, a cada sequência destes dois mundos colidindo, com interações que dão o toque humano ao filme. Steve Coogan está muito bem, pois consegue passar de o jornalista grosso e babaca em um momento para logo em seguida resgatar toda a empatia e sensibilidade necessárias na hora de dar uma das notícias mais difíceis para uma mãe. Para um ator famoso por participar de comédias, foi uma surpresa. Ele mesmo também assina o roteiro ao lado de Jeff Pope, e os dois fizeram um ótimo trabalho caminhando sobre a linha tênue que divide drama e comédia aqui. Acertaram a mão.

Em duas palavras, resumo Philomena em um filme inteligente e adorável.

Cosmópolis (Cosmopolis, 2012)

setembro 8, 2012 by

Por Alessandra Marcondes

Cosmópolis é um filme difícil por diferentes motivos. O enredo é quase teatral, emprestado do livro homônimo em que foi baseado. O cenário pouco muda: uma limusine. O protagonista é um ricaço de 28 anos frio, superficial e extremamente vazio que mais se distancia do que se aproxima do público comum. Como contexto, temos a derrocada do sistema capitalista e vários protestos políticos que sugerem uma anarquia. Some a isso uma pitada de sexo, violência e muitos dilemas da modernidade.

Quem dá vida ao ricaço Eric Packer é Robert Pattinson, que surpreende quem guarda um preconceito pelo vampiro teen de Crepúsculo. A personagem sente a necessidade de cruzar uma Nova York caótica em busca de um corte de cabelo, e enquanto isso faz reuniões, consultas médicas e sexo dentro da limusine. O filme todo é meio bizarro, com destaque para a relação assexuada de Eric com sua esposa poetisa – que, altamente sensível, é o oposto dele. E Oscar de bizarrice extra plus advanced para a cena de excitação que envolve o exame de próstata, uma subordinada e uma garrafa d’água.

A trama promove uma discussão importante sobre o mundo pós-moderno, onde dinheiro e tecnologia se encontram dando novas formas à nossa concepção de futuro. E sobre como a pós-modernidade pode transformar os seres humanos em eternos adolescentes, que procuram sensações inexploradas e cada vez mais intensas, como um tiro na mão, para encontrar um sentido na vida frívola que se leva. Mostra como somos frágeis, ao ponto de sermos atingidos por uma torta na cara de um desconhecido ou pela tristeza por um ídolo – o cantor de rap – ter morrido, mesmo cercados de seguranças. E que a nossa noção de felicidade foi totalmente deturpada, pois dinheiro e sucesso são capazes de transformar nossas informações e nossos valores em coisas terríveis.

Paradoxo notado é o fato de uma trama tão ‘futurística’ girar em torno sempre da busca pelo passado: mais do que um corte de cabelo, Eric cruza a cidade em busca do rosto conhecido do barbeiro amigo da família, que remete às memórias antigas desde o tempo de seu pai. A cena da barbearia é a que mais vale a pena no filme – ao contrário da supervalorização da crítica em torno do último diálogo com Paul Giamatti, que devia ser o clímax do filme, mas é eternamente boring. A da barbearia é melhor pois torna palpável a distância observada entre nossos antepassados e a juventude de hoje, que cultua o corpo, o prazer fácil e barato, o desapego, a violência verbal e carnal. Para quem tudo é passageiro e a vida é altamente descartável, tornando a morte iminente em uma forma de liberdade.

Vale a pena ler: entrevista com o diretor David Cronenberg n’O Globo.

Feeling: o filme é chato, cheio de diálogos retóricos, mas tem seu mérito por discutir os dramas da vida moderna. Se você é um ser humano comum da classe ‘mérdia’, se sentirá bem por ver a felicidade nas pequenas coisas e ter uma vida normal, mesmo sem bilhões na conta.

O último dançarino de Mao (Mao’s Last Dancer, 2009)

janeiro 12, 2012 by

Por Alessandra Marcondes

Quando assistimos um filme baseado em um livro que já lemos, nossa impressão é sempre diferente de alguém que desconhece a história. Ou odiamos, porque o filme não conseguiu se manter fiel aos objetivos do livro, ou amamos, porque ele conseguiu transpor para a tela tudo o que imaginamos quando folheamos suas páginas. Eu li Adeus China: O último bailarino de Mao, e adorei. E adorei o filme também, porque poucas vezes tive a sorte de assistir a um longa tão fiel ao livro que lhe deu origem.

O filme traz a história de Li Cunxin, um bailarino chinês que foi recrutado aos 11 anos de idade para fazer parte da Academia de dança de Madame Mao, na época em que a China passava pela Revolução Cultural de Mao Tsé-Tung. Devido a uma visita do presidente dos EUA Richard Nixon à China, as relações dos dois países se estreitaram e, por isso, foi possível um maior intercâmbio entre eles, inclusive de artistas. Li Cunxin, já crescido, foi quem chamou atenção de Ben Stevenson, diretor do balé de Houston em visita à China. Foi convidado a passar uma temporada no Texas dançando com a sua companhia, acontecimento que mudaria sua vida para sempre.

Li muitas críticas dizendo que a história de Adeus China é um clichê, afinal, nada mais óbvio do que um camponês pobre que sai de uma província chinesa minúscula perto de Qingdao e acaba tirando a sorte grande de cair em uma cidade capitalista, cheia de riquezas, e se deslumbra com isso tudo. O que muita gente esquece, porém, é que se trata de uma história real. O livro é uma auto-biografia, escrita pelo próprio Li Cunxin, e ele mesmo descreve como ficou pasmo quando se deparou com os arranha-céus e uma ‘máquina que cuspia dinheiro’ (caixa-eletrônico), e o sentimento de angústia que tinha ao ver Ben gastando em um dia uma quantia muito além da que seu pai demorava um ano para conquistar nos campos da China.

Também tendemos a esquecer que a China de Mao Tsé-Tung era diferente da China de hoje. Extremamente fechada, às crianças só era permitido estudar o Livro Vermelho de Mao na escola, e a ideologia do regime comunista fazia uma verdadeira lavagem cerebral, levando todos a acreditarem que os norte-americanos e demais povos de países capitalistas viviam na extrema miséria. Óbvio que, para tornar o choque cultural ainda maior, Li Cunxin foi parar em uma companhia de balé, e teve contato com pessoas de classes muito mais altas do que estava acostumado.

O filme é uma bonita história de superação, dirigido com delicadeza e sensibilidade. Pude notar em cada cena elementos explorados no livro, como o papel de parede de jornal da sua casa em Qingdao, seu relacionamento problemático com Elizabeth, e o diálogo em uma danceteria em que ele fica assustadíssimo quando percebe que um norte-americano está falando mal do presidente em voz alta, sem medo de repreensões. Faz, sim, parecer que os Estados Unidos são a terra maravilhosa da liberdade, mas talvez para aquele recém-chegado da China comunista, realmente fosse.

Destaque para a música, os cenários e o figurino, impecáveis. Chi Cao, que interpretou Li Cunxin na fase adulta, também tem seu mérito no sucesso do longa: novato nas telas, ele conseguiu transmitir tudo o que eu esperava do personagem – sem contar as belíssimas cenas de balé, filmadas pelo próprio. Vale lembrar que Chi Cao é formado na Academia de Balé de Pequim e foi selecionado pelo próprio autor porque é filho de dois professores de Li Cunxin na época em que ele dançava na China.

O último dançarino de Mao equilibra perfeitamente a política com o romance, a dança com o pesar dramático, e traz um final fantástico, digno de filmão. Segure as lágrimas para não chorar.

Feeling: história de vida. Vá de cabeça aberta e lembre-se que nem tudo que parece clichê necessariamente o é, e se deixe levar pela música linda, pelo personagem fantástico, e pela história surpreendente. Deixe-se emocionar.

A Chave de Sarah (Elle s’appelait Sarah, 2010)

janeiro 8, 2012 by

Por Alessandra Marcondes

Filmes de guerra sempre são fortes, pesados, dramáticos. Não tem como assistir de maneira indiferente. A Chave de Sarah é mais um longa (adaptado do bestseller homônimo de Tatiana De Rosnay) que retoma a barbárie com que foram tratados os judeus na Segunda Guerra, desta vez sob um pano de fundo – quase – novo: o filme parte do episódio acontecido na França em julho de 1942, quando 13 milhões de judeus foram presos em Paris no Velódromo de Inverno – espécie de estádio onde deveriam acontecer apenas competições de ciclismo, hóquei e outros esportes – em condições sub-humanas. Ao contrário do ocorrido em outros países, onde a própria SS alemã se encarregava de caçar os judeus e os mandar para os campos de concentração, em Paris foi a própria Polícia Francesa a responsável por isso. Assim, o episódio até hoje é mal encarado pelos franceses, que não gostam de lembrar e muito menos mencionar esta mancha na história de sua nação.

Partindo daí, o filme já merece ter reconhecido seu mérito. É um longa francês sobre um episódio que todo francês gostaria de esquecer. Além disso, temos uma trama envolvente e emocionante sobre a história de Sarah Starzynski (a brilhante Mélusine Mayance), uma menininha que foi levada para o Velódromo junto com seus pais e, depois, para um campo de concentração nazista. O nome do filme é este porque quando a polícia francesa chega na casa de Sarah, esta tranca o irmão no armário para que os oficiais não o levem também. A partir daí, carrega sua pequena chave por todos os cantos, tendo em mente o único objetivo de voltar para casa para libertar o irmão.

Na outra ponta, temos a história de Julia (Kristin Scott Thomas), ambientada anos depois, em 2002. Ela é jornalista e foi incumbida pelo seu editor de escrever sobre o episódio do Velódromo de Inverno, que faria aniversário de 60 anos naquele ano. Já bastante dedicada à reportagem, sua investigação vira quase uma obsessão quando ela descobre que seu marido vai herdar um apartamento onde a família Starzynski viveu antes de ser deportada. A partir daí, a história de Sarah vai sendo desvendada e os dramas pessoais da jornalista caminham junto, virando quase que uma história só. A trama é envolvente e, mesmo cheia de vai e vem entre as cenas de Sarah e Julia, consegue manter o espectador grudado na cadeira, aguardando ansiosamente o rumo que aquilo tudo vai tomar.

A Chave de Sarah tem uma história bem triste, do início ao fim. Apesar de a menina ter a ‘sorte’ de encontrar um oficial alemão solidário que abre caminho para que ela fuja do campo de concentração e, logo depois, cruzar com um casal que, também de bom coração, acolhe 2 crianças judias em plena Segunda Guerra, mesmo sabendo dos apuros que aquilo podia lhes causar, a saga da menina ainda é triste, dramática, e representa toda a dor, o sofrimento e as feridas que uma guerra deixa abertas mesmo depois de anos. Julia investiga a trajetória de Sarah até o fim da Guerra, quando esta é adulta e tenta recompor sua vida. Mas, como esperar o final feliz de uma pessoa que (spoilers!) viu seus pais serem exterminados pela Guerra e, (spoilerzão!!) foi a única responsável pela morte do irmão, que foi uma das mais horríveis imagináveis, morrendo sozinho, com fome e sede, e decomposto dentro de um armário? Esta, para mim, foi a parte mais FODA do filme, que incomoda a gente, que dói, e que não dá pra esquecer. Fiquei mal mesmo com isso, angustiada, e neste momento vi o quanto eu estava envolvida com a personagem. E é por isso que o filme é muito bom e vale a pena.

Na minha opinião,o único pecado da trama foi fazer um esforço tremendo para que Julia tivesse um final feliz, tornando-o um tanto forçado. O casinho de amor comprado do final tenta amenizar todo o sofrimento pelo qual passou Sarah, como se o final feliz de Julia de certa forma até justificasse tudo o que aconteceu. Para mim, ameniza a gravidade da Guerra, que nunca deveria ser amenizada. Mas de qualquer maneira, o conjunto do filme é bom, bem feito e emocionante.

Feeling: filme de Guerra, vá preparado para sentir o sofrimento da humanidade. Um dramão muito bem feito, envolvente e com uma perspectiva original, vale a pena para quem gosta do gênero.

A Árvore da Vida (The Tree of Life, 2011)

dezembro 10, 2011 by

Por Alessandra Marcondes

Meu Deus! Fazia tempo que eu não tinha vontade de sair do cinema antes da sessão acabar. O filme é uma mistura de 2001 com Foi apenas um Sonho. Tudo bem que a gente gosta de subjetividade, mas JUST IT não faz meu estilo. É um filme beeeem difícil. O Inácio Araújo, da Folha, achou o suprassumo da arte e escreveu que é uma linda história sobre o sofrimento desde os primórdios da humanidade.

Mas… sério que 20 minutos só de ensaios sobre a evolução das espécies era necessário? E colocar 2 dinossauros no meio do longa, um pisando na cabeça do outro, não foi forçar a barra?

Por mim, se não tivesse toda esta viagem darwiniana, ele não seria todo de se jogar fora.

É a história de sofrimento de uma família que de repente perde o filho/irmão, mesmo sendo tão correta de acordo com a moral e os bons costumes. Gostei da leitura sobre a mudança da fé em momentos de desespero ou de grande decepção. Deus geralmente é a válvula de escape para os nossos problemas, mas também a origem das nossas resoluções. Doloroso acreditar em um Deus assim, tão bondoso e cruel ao mesmo tempo.

Quando o roteiro volta pra contar a trajetória da família antes da morte, para mim compara a todo momento as atitudes do pai (Brad Pitt) e da mãe (Fiona Shaw) com a de Deus. Mostra pra gente que se Deus fosse só bom, como a mãe, perderia o controle da sua Terra, assim que o filho mais velho (que quando cresce é interpretado por Sean Penn) se volta contra ela. Se fosse só rígido, como o pai, impediria as pessoas de amá-lo. E para mim o maior acerto  é esta metáfora, do lado bom e ruim da fé e sua ação sobre nós, personificada nos filhos de maneiras tão marcantes, e até perturbadoras. Quando o filho mais velho diz ‘Pai, mãe, vocês sempre estão brigando dentro de mim’, é exatamente disso que se trata – de como o Deus consolador pode brigar com o Deus punitivo dentro de nós, e como eles nos confundem e se completam ao mesmo tempo.

Mãe e pai fazem um contraponto na criação dos filhos que pode ser comparado às duas faces de Deus: punitiva e consoladora

Também é um filme sobre a aceitação da morte doída, repentina, avassaladora. É um filme bonito para quem tem fé, porque (ao contrário de Melancolia, do qual eu falei neste post aqui), nos diz: no final, tudo dá certo. Há alguém lá do outro lado para ‘nos guiar até o final dos tempos’. Vamos nos encontrar todos em um lugar bonito onde a dor não tem lugar.

É legal também o jeito como a história coloca a ciência e a fé lado a lado, coisas que a gente reluta em misturar, como se fosse água e óleo. A mãe da família diz em certo ponto “Há dois caminhos na vida: um da natureza, e outro da graça. Você tem que escolher qual deles seguir”. Mas o que o filme deixa claro é que não dá para escolher um só. Para aquela família, foi Deus que criou todas as coisas, e é este o caminho que eles devem seguir. Mas em seguida, com os 20 longos minutos em que parece ser contada a história da evolução do homem de acordo com a ciência, o roteiro nos mostra que mesmo aquela família, que escolheu o lado da graça, não tem como escapar da força da natureza.

Na minha interpretação, com os 20 longos minutos de explosões, formações rochosas, micro organismos marinhos e a aparente crueldade gratuita entre os dinossauros – que evolui para o discurso de Sean Pean sobre a cobiça do ser humano – o filme explica que a gente criou a fé e tudo o que ela envolve – incluindo Deus – pra fazer um contraponto à crueldade deste mundo, porque viver seria muito difícil sem ela. Cabe a você acreditar ou não. Eu, cética e ateia que sou por exemplo, não comprei o final de ‘todos viveram felizes para sempre, juntos em um lugar melhor’.

Por tudo o que eu falei até agora, o filme tem seu mérito, não dá pra negar. Mas também não dá pra não mencionar que ele discute todas estas questões da maneira menos didática POSSÍVEL. É tipo aquela aula do curso que tinha potencial para ser magnífica, mas que você descobriu que é dada por um professor chato, às manhãs de sábado, em transparências de retroprojetor. É artístico e lúdico – demais. Mas é questão de opinião, de gosto. Eu ainda acho que dava pra deixar menos subjetivo, desenvolver melhor os dramas familiares e nos poupar de tanta ladainha (sério, deu vontade mesmo de abandonar o filme na metade) sem perder a mensagem nem a beleza.

Também achei altamente dispensável o papel de Sean Penn. Pela sua declaração ao jornal Le Figaro, nem o próprio Sean Penn entendeu seu papel na trama, e diz que Terrence Malick nunca explicou direito o que queria dele – então, o que podíamos esperar? Nada mais do que uma participação rala e sem sentido, facilmente descartável.

Devaneios de Sean Penn são altamente descartáveis em Árvore da Vida

Consegui terminar esta crítica meses após ter assistido, pois só agora cheguei a um veredito: vale a pena assistir o filme, pois ele dá uma aula de história da humanidade, e as cenas dos dramas familiares salvam o público. Mas vá preparado para um filme longo, chato e arrastado. Sim, é possível que um filme chato pra caramba valha a pena apesar de tudo – quem não concorda que Terra em Transe é uma obra prima, mas chato pra chuchú?

Feeling: um filme justo sobre os temas Deus x natureza, fé x incredulidade. Vale a pena, mas vá preparado para 20 minutos de pura ‘arte’ (cof cof, embromação).

Inquietos (Restless, 2011)

dezembro 9, 2011 by

Por Bruno Pongas

A morte é um tema recorrente no universo cinematográfico e popular entre as mais variadas culturas. Nossa curiosidade é infinita, sobretudo quando se trata de algo desconhecido. Quem nunca parou e pensou: o que acontece depois que morremos? Para muitos a vida acaba de vez, voltamos ao pó e fim de papo. Para outros há uma sequência, o paraíso, o renascimento…

Por ser impossível saber para onde vamos (se é que vamos para algum lugar) é que a morte acaba tendo tanta popularidade. Inquietos poderia ser apenas mais um dentre tantos filmes que se apoiam nesta temática, mas Gus Van Sant vai além e busca alternativas ao lugar comum. A morte aqui é apenas um pano de fundo. O que importa, na verdade, é como as pessoas lidam com ela.

Logo de cara somos apresentados ao jovem Enoch, que tem como passatempo (acreditem!) acompanhar velórios de pessoas desconhecidas. Pode soar estranho, mas apesar do mórbido hobbie, Enoch tem problemas para lidar com a morte. É num desses velórios que ele conhece a igualmente jovem Annabel. Podemos dizer que Annabel é o oposto do seu par. Enquanto ele convive com a morte de uma forma secundária, mas psicologicamente problemática, ela encara seu destino naturalmente – Annabel tem câncer e está em estado terminal, tendo apenas mais três meses de vida.

O japonês Hiroshi completa a trinca de personagens principais. Difícil explicar ou entender o que passou pela cabeça de Gus Van Sant ao incluí-lo na história. Hiroshi é o melhor amigo de Enoch, mas um melhor amigo um pouco incomum – ele é um fantasma! Fica claro desde o início que existe um laço fraternal entre os dois, laço esse que é marcado por brincadeiras (batalha naval!), conselhos e também por uma pitada de ciúmes.

Falando assim até parece que estamos diante de mais uma daquelas tramas sem pé nem cabeça, mas a aparente loucura serve como alicerce para algo maior. Gus Van Sant faz um ótimo trabalho atrás das câmeras e consegue extrair o máximo de seus comandados – 0 casal está muito convincente! Mérito dos atores? Também! Tanto Mia Wasikowska quanto Henry Hopper transmitem uma bela dose de realismo, mas acredito que o diretor tem sua “culpa” neste aspecto – ainda mais por se tratar de uma dupla de jovens, menos experientes. Vale lembrar que Henry é filho do grande Dennis Hopper, ator e diretor que participou de dezenas de filmes em Hollywood e a quem o longa é dedicado (Dennis morreu em 2010 vítima de um câncer de próstata).

Esse realismo de que falo é retocado por diálogos inspirados. Geralmente este tipo de filme traz consigo doses carregadas de sentimentalismo ou piadas pasteurizadas. Inquietos é essencialmente diferente. O relacionamento entre as personagens é natural porque os diálogos têm identidade, originalidade. Claro que o perfil do casal contribui, pois ambos apresentam traços de personalidade incomuns em obras do gênero. O mérito neste caso vai para o roteirista Jason Lew. Falando nele, sabiam que a história do longa é baseada numa experiência real do próprio Lew? Coisa de doido mesmo…

Ah, e é quase impossível encerrar a crítica sem elogiar a trilha sonora de Danny Elfman, figurinha carimbada nos filmes de Tim Burton e autor da emblemática música de abertura dos Simpsons. Elfman bolou uma trilha discreta, recheada de baladinhas pop/rock e embalada pela clássica Two of Us, dos Beatles. Nem é preciso dizer que os acordes alternativos combinam – e muito – com os protagonistas, né?

Thor (Thor, 2011)

novembro 30, 2011 by

Por Bruno Pongas

Hoje em dia temos filmes de super-herois para todos os gostos. Batman e Homem-Aranha aparecem na lista dos meus preferidos. Alguns, como Mulher-Gato, nem sequer mereciam ter saído do papel, tamanha a ruindade, e outros, como Homem de Ferro, trafegam num meio termo nem sempre cômodo entre o bom e o mais ou menos (no meu ponto de vista, claro).

É neste meio termo que se encontra Thor, um dos últimos super-herois a desembarcar nas telonas. O poderoso personagem, que já havia sido retratado fora dos quadrinhos em outras oportunidades (lembram-se do detestável e inexplicavelmente fraco Thor que aparece na saga dos Cavaleiros do Zodíaco?), ganhou sua vertente hollywoodiana através dos esforços de Kenneth Branagh.

A personagem Thor, em linhas gerais, segue à risca o que é dito sobre ela na mitologia nórdica – um homem forte, bondoso, honesto, mas ao mesmo tempo briguento e irresponsável. Também diz a mitologia que ele era faminto, o que também é retratado por Branagh, só que de forma descontraída e divertida. Neste ponto, o diretor acertou em cheio ao escolher Chris Hemsworth para o papel principal. Hemsworth, apesar de pouco conhecido do público, mostra talento e sabe dosar os tons cômico e sério muito bem.

Mas voltemos lá no começo, quando eu falava sobre o meio termo entre tramas de super-herois boas e ruins. Thor tem seus méritos, claro (falarei sobre eles adiante), mas derrapa em aspectos simples. Uma obra com tantos efeitos especiais merecia embates memoráveis, daqueles de tirar o fôlego. O que vemos, no entanto, é um conjunto de cenas pouco inspirado. Culpo aqui o diretor Kenneth Branagh, que poderia ter feito um melhor uso dos recursos disponíveis e dado mais vida à trama.

Além disso, o diretor abusa da câmera lenta para dramatizar certas passagens – recurso esse que deve ser utilizado com bastante cautela, pois em excesso pode deixar brega aquilo que deveria ser emocionante. Também achei o roteiro um pouco falho.  Faltaram detalhes ao introduzir a trama – detalhes esses que podem confundir o espectador pouco familiarizado com a história do super-heroi.

Por fim, acredito que alguns personagens mereciam mais destaque. Loki, que é muito bem interpretado pelo jovem Tom Hiddleston, tem papel fundamental na história, mas a subtrama que o envolve é pouco aprofundada. O mesmo vale para os outros guerreiros de Asgard. Nenhum deles é devidamente apresentado e o filme termina sem que nada saibamos sobre eles. Do outro lado do mundo, quem se destaca é Natalie Portman, que esbanja charme e a competência de sempre na pele de Jane Foster – a jovem nerd e inocente que se encanta por Thor na Terra.

Apesar dos erros, Kenneth Branagh consegue nos entreter durante as quase duas horas – o que é um grande mérito. Seu principal trunfo é o visual caprichado. Asgard está simplesmente exuberante, cheia  de vida, cores e detalhes. Os bons efeitos especiais aliados à maquiagem (os gigantes de gelo ficaram bastante realistas) contam pontos a favor do entretenimento. Os diálogos, ora cômicos, ora maduros, também merecem os devidos elogios – ponto para o diretor, que consegue juntar essas duas vertentes sem parecer forçado.

É claro que também devemos levar em conta a força do personagem. Thor, ao meu ver, é um dos super-herois mais legais dos quadrinhos. Neste caso, sobretudo quando uma obra sai do papel e vira filme, acredito que a empatia personagem/espectador conta muito. Apesar de arrogante, Thor é o tipo de heroi que todos gostam – é forte, bonito, confiante, leal e divertido. Por isso um filme em sua homenagem, mesmo que tenha seus defeitos, acaba ficando acima de média.

Minha Nota: 6.5

Contágio (Contagion, 2011)

novembro 8, 2011 by

Por Bruno Pongas

Quem curte o cinema norte-americano certamente irá se identificar de cara com Contágio, afinal, é bem raro nos depararmos com nomes como Matt Damon, Marion Cotillard, Kate Winslet, Gwyneth Paltrow, Jude Law, Laurence Fishburne e John Hawkes no mesmo elenco. E o melhor, essa trupe toda é dirigida pelo competente Steven Soderbergh, o mesmo que comandou a trilogia Bourne e os premiados Traffic e Erin Brockovich – Uma Mulher de Talento.

Bem, mas vamos rápido ao que interessa! Logo no começo do filme somos apresentados a uma sequência de mortes enigmáticas – todas pelo mesmo motivo e em países diversos. Mais à frente, vamos descobrir que essas (e outras tantas) mortes vêm sendo causadas por um vírus geneticamente mutável e de total desconhecimento das autoridades. Basta somarmos as palavras vírus e desconhecido e nos deparamos com um panorama de caos absoluto.

Pois é! Alguém aqui se lembra de Ensaio Sobre a Cegueira? É quase impossível ignorar a semelhança entre Contágio e o best-seller do português José Saramago. Embora essas duas obras possuam temáticas diferentes, em ambas podemos observar a magnitude caótica de uma epidemia. Tanto Soderbergh quanto Saramago resgatam o extinto dos seres humanos diante da morte iminente. Neste cenário catastrófico, o homem é retratado como um animal irracional, que recorre a qualquer artifício para sobreviver sem se importar com o próximo.

Contágio ainda vai além do simples estado de caos e do extinto dos seres humanos exalando pelas ruas. A política aqui ganha fortes contornos e um tom de crítica por parte do diretor. A partir do momento em que a suposta epidemia cai na imprensa, é praticamente impossível controlar o povo – que esvazia os supermercados e abarrota as estradas em busca de sobrevivência. Enquanto as pessoas se descontrolam com a proximidade da morte, as autoridades parecem ainda mais perdidas em meio à crise. Diante disso, a pergunta que fica é: estaríamos preparados para algo devastador como o retratado pelo cineasta?

Mudando um pouco de assunto, a narrativa, que nos é apresentada numa sequência de dias, é de fato bem interessante. Tudo começa no Dia 2 e vai se desenrolando aos poucos. O grande enigma, como vocês podem perceber, está no Dia 1 e logicamente será revelado nos minutos finais. Soderbergh, por sua vez, conduz a história muito bem e abusa de recursos simples – como a música frenética e agoniante – para fisgar o espectador. A fotografia, cinzenta em alguns momentos, também contribui para deixar o filme com um ar apocalíptico.

É claro que também existem pontos negativos. A meu ver, um elenco com tantos nomes de peso merecia um pouco mais de destaque. Atores como Matt Damon, Kate Winslet e Gwyneth Paltrow têm seus momentos bons, claro, mas no geral acabam ficando em segundo plano. Também achei descartável a trama paralela envolvendo a personagem de Jude Law. Soderbergh aparentemente quis mostrar o poder que um veículo de mídia pequeno, como um blog, pode ter num momento como esses – o que é bem legal. Mas para mim, pelo menos, pareceu forçado demais.

No final das contas, Contágio me agradou bastante, principalmente por tentar se diferenciar dentro de um gênero desgastado. É comum vermos filmes apocalípticos com cenários devastados, grupos restritos de sobreviventes e só – sem nenhum conteúdo relevante. Soderbergh tentou fazer diferente e se deu bem – só por isso já merece ser aplaudido.

Johnny & June (Walk the Line, 2005)

agosto 26, 2011 by

Johnny canta para os presidiários da Folsom Prison, prisão na Califórnia que inspirou a música Folsom Prison Blues. O show resultou em um CD ao vivo

Por Alessandra Marcondes

Importante dizer que esta resenha foi escrita por uma pessoa que nada sabia sobre Johnny Cash ou June Carter, e não havia ouvido uma música sequer deles antes do filme.

A história de um garoto vindo de uma família pobre do Arkansas, que por causa de um talento nato, vira uma sensação da música nos Estados Unidos e acaba se envolvendo com drogas e tendo diversos problemas decorrentes do vício. Esta história lhe soa familiar?

Como li em na crítica do Andy Malafaya do Cineplayers, a história seria um imenso clichê, se não fosse baseado em uma figura real. O filme é um recorte da vida de Johnny Cash – por mais que a tradução do título para o português sugira que tratará por igual de Johnny e June – desde a sua infância, em um campo de algodão do Arkansas, até o casamento com June Carter. De recheio, temos passagens de sua vida pessoal ao lado da primeira mulher, Vivian Liberto, das turnês ao lado de figurões como Elvis Presley, Johnny Lee Lewis e Carl Perkins, dos problemas decorrentes das anfetaminas que tomava, e muitas, mas muitas canções country deliciosas tiradas de diversos álbuns do cantor.

Confesso que nunca tinha ouvido falar (don’t kill me, please!) de Johnny Cash, mas o filme me aguçou a curiosidade pela forma como termina, pelas músicas deliciosas, e fui atrás de mais informações sobre sua história. Foi aí que eu comecei a achar o filme não mais tão legal. Ele serve como um belo ponto de partida para quem não conhece a história deste cantor e compositor magnífico, mas ignora ao menos os 30 anos finais de sua trajetória, que são mais interessantes do que eu imaginava. Óbvio que não dá para abraçar o mundo, mas acho que o filme se perde um pouco repetindo muitas e muitas vezes cenas em que o cantor esteve perdido, afundando-se nas drogas, implorando que June ficasse com ele, etc. Também convenhamos que a música rouba preciosos minutos que dariam para contar uma história completa, mas ela é essencial para dar o tom do filme, então não reclamo. Minha maior reclamação é pela falta de profundidade e de emoção. A direção foi meio fraquinha, e não faz com que o espectador se envolva tanto com Johnny Cash, que foi é uma figura tão interessante.

A qualidade do filme está nas atuações de Joaquin Phoenix (no papel de Johnny) e Reese Witherspoon (no papel de June). Ele tem o carisma e a presença de um astro adorado de antigamente, mas também sabe ser grave,  sério e paranóico nas cenas mais fortes. Ela dá a leveza à trama, é a presença feminina que transforma a história em um belo romance. Vale lembrar que foram os próprios atores que interpretaram as músicas de Johnny Cash e June Carter para compor a trilha sonora do filme. Eu, particularmente, adoro quando isto acontece. Mostra um comprometimento, um mergulho de corpo e alma no personagem, que não é fácil de fazer.

Johnny & June é uma viagem no tempo, que nos leva pela música e pelos comportamentos comuns a uma época que eu não vivi, mas sempre ouço falar. Uma época que fazia com que uma cantora famosa, linda e até “certinha” como June Carter se importar com o julgamento de uma dona de casa qualquer em um supermercado, só por causa da sua separação conjugal, e o peso da fama em seus ombros ao ponto de pedir desculpas por ter decepcionado a mulher em questão. Achei esta uma das cenas mais bonitas do filme, pois mostra a atitude de verdadeiros ídolos que reconhecem a ‘responsabilidade’ que traz a fama, algo tão raro hoje em dia nos rockstars. A cena me lembrou uma história que um dia ouvi na MTV sobre Janis Joplin, que depois de ficar mundialmente famosa retornou à sua cidade natal, uma cidade pequena e moralista do Texas, achando que todos reconheceriam seu mérito como grande cantora. Muito pelo contrário, por lá ela continuava sendo a mesma esquisitona rebelde de sempre. E isso a afetou, mesmo sendo uma cantora tão magnífica, talentosa e famosa para o restante do mundo. Talvez não desse para deixar para lá.

Enfim, uma época em que era comum a figura da boa esposa dos anos 50, cozinhando enquanto espera o marido em casa, incorporada por Ginnifer Goodwin no papel da primeira esposa de Cash. A existência de um pai rigoroso, que gosta mais do filho que rende mais no trabalho do campo – interpretado muito bem por Robert Patrick, que nós mesmos acabamos odiando por tanta amargura e frieza com o filho. Aqui, faço uma pausa: desconfio que o filme tenha exagerado um pouco na dose da amargura do pai – afinal, todo protagonista problemático precisa de um vilão para culpar – por causa da entrevista que Johnny Cash deu à revista Rolling Stone em 1973. Destaco dois trechos:

Robert Hilburn: Além de ouvir música, você teve de trabalhar duro na fazenda quando era criança. Aquilo foi uma parte importante na sua formação?
Johnny Cash: Trabalho duro? Eu não sei. Cortar e colher algodão é complicado. Não sei o quão bom isso foi pra mim. Não sei o quão difícil isso é para alguém.  

Hilburn: Você cantava as músicas para sua família? Qual era a reação?
Cash: Oh, bem, você sabe como são os familiares. Meu pai me dava um tapinha na cabeça, dizendo que era tudo muito bom, mas “é melhor você começar a pensar em algo que vai te dar sustento algum dia”.  Minha mãe era 100% favorável à minha música […]*

Ou seja, percebo aí uma mãe mais amorosa do que o pai, mas nada que represente o crápula que é mostrado pelo filme. E uma infância dura, mas não tão difícil ao ponto de ter feito muita diferença no caminho que Cash percorreu depois de ter saído dos campos. Para mim fica claro que, mais do que a infância árdua, a perda de seu irmão é que foi sim, definitiva para a trajetória de Cash. Talvez eu esteja enganada e, em 1973, de um Johnny Cash já sóbrio e no caminho ‘certo’ da vida, estas questões já não o incomodassem mais ao ponto de falar para a revista. Mas foi a impressão que eu fiquei. Já o papel de June como a salvadora de Cash está mais do que correto: na mesma entrevista, Johnny diz que começou a sair desses ‘anos ruins’ (em que estava se autodestruindo com o vício nas pílulas de anfetamina) quando casou com June, e o amor e a força espiritual cresceu dentro dele. Ponto para o filme!

De qualquer forma, em linhas gerais, adorei o longa. É uma história gostosa de ouvir e assistir. A cena do pedido de casamento no meio do show é emocionante, pois é uma história de bonzinhos se dando bem! Até que enfim, já estava cansada das histórias dos grandes talentos da nossa música com um final trágico – não me deixam mentir  Joplin, Cobain, Hendrix, Lennon e mais recentemente Amy Winehouse, entre tantos outros.

*A entrevista está no livro ‘Rolling Stone: as melhores entrevistas da revista Rolling Stone’, da ed. Larousse (que eu super recomendo, tem entrevistas com uma pá de gente legal da música, do cinema e da política!).